segunda-feira, 23 de março de 2009

Crônicas Hospitalares III

A recuperação da cirurgia está sendo surpreendentemente tranquila. Não tomei nenhum analgésico desde que saí do hospital e até agora não doeu nada. O meu médico é arrojado. Disse que eu não tenho nenhuma restrição alimentar ou de movimentos e me incentivou a andar. Só não posso levantar ou empurrar peso, saltar ou fazer outro exercício que contraia muito os músculos da barriga. Isso inclui espirrar... Fico mordendo a língua prá conter os eventuais espirros. É ridiculo, mas não tem outro jeito. Fui liberado até prá tomar álcool, desde que não seja muito. A medicina precisa de mais médicos assim !!!!! 24 horas depois da cirurgia já estava andando na rua (bem devagarinho, é verdade). Ontem, quatro dias depois da cirurgia, andei até o Bosque do Papa, uns 3 Km.
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Entretanto, falei com minha sobrinha (que estuda medicina) e ela me disse que era prá eu andar SÓ DENTRO DE CASA... e que o médico fala pros pacientes que pode andar pq tem gente que pensa que tem que ficar deitado o dia todo.
Bem, não foi culpa minha, o médico não especificou.
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Hoje a única coisa que me lembra a cirurgia é que não posso usar cinto, pq a fivela pega bem em cima de um ponto. Na quarta-feira tiro os pontos, abandonando por fim o tempo em que tive de suportar incorporados a mim os incômodos fios compostos de polímeros derivados de hicrocarbonetos – estes adormecidos nas estranhas da Terra por milhões de anos, de lá retirados com o propósito de costurar as minhas entranhas. Voltarei a ser, por completo (exceção feitas às restaurações dos dentes), apenas matéria orgânica não sintetizada pela indústria.
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Mas como diria o Amado Batista, "neste mundo o perfeito não tem vida". Minha mãe percebeu que eu já tô bom e foi embora.
Voltaremos à velha escassez... :(

sexta-feira, 20 de março de 2009

Crônicas Hospitalares II

Dormi só uma noite no hospital e fui liberado. O médico deve ter parte com o demo, com o coisa-ruim. Como é que ele faz 3 furos na barriga, mas eles não doem, não incham e não sangram??? Nem analgésico estou tomando, menos de 48 horas após a cirurgia. A cirurgia foi no Hospital Santa Cruz. Recomendo. Gostei bastante, tanto das instalações quanto do pessoal. Parece mais um hotel que um hospital.
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Minha mãe passou a noite comigo e reclamou apenas que "na quarta-feira todas as novelas ficam mais curtas, só por causa do jogo de futebol".
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E tem lá uma cadeira motorizada, comandada por 4 botõezinhos, que permitem uma ampla combinação com vários e vários ângulos e posições. Uma loucura !!!! Deviam colocar estas cadeiras em móteis. Seria um estrondoso sucesso !!!!!! kkkkkkkkkkkkk
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Não posso deixar de reproduzir a resposta que recebi de uma amiga aos comentários sobre o hospital e a cadeira:
"Primeiro, vc é o único homem que conheço que não reclama de intervenções cirurgicas, ao contrário, recomenda o hospital. Começo a duvidar da sua masculinidade (rsrsrs). E o que não faz a carência... imaginando cenas de sexo até com a cadeira do hospital. Beijos e boa recuperação."
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Sempre é bom ter amigos com quem contar nas horas difíceis...
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O momento mais traumático de todo o procedimento cirúrgico foi na hora da alta, com a retirada de uma esparadrapo de uns 10 cm de largura (daqueles brancos, de tecido grosso, com muita cola) que estava colado no meu antebraço esquedo prá segurar uma agulha. Putz... metade dos pêlos dos braços ficaram lá...
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O melhor de tudo isso é que passei a desfrutar de inacreditáveis três refeições por dia \o/ \o/ Nunca imaginei que minha cozinha tivesse potencial prá tanto.
Olha minha geladeira, veja ela está cheia !!!

E esta foto então, que fantástica. Minha mãe e o primeiro breakfast completo visto (e comido) no meu apartamento desde que me mudei prá lá \o/ \o/ \o/

quarta-feira, 18 de março de 2009

Crônicas hospitalares I

É hoje o dia de entrar na faca. Ou melhor, no espeto, já que a cirurgia será por videolaparoscopia, aquela em que são feitos três furos na barriga: um para a câmera e outros dois para os instrumentos. Lá vou eu para o hospital com a tranquilidade disponível e aquela preocupação básica: "oh céus, ai de mim, um pobre ser humano às voltas com as deficiências que a biologia me legou".

Confesso que na consulta com o anestesista, há uma semana, levei alguns sustos. Ele falou algo como "é aplicado um anestésico que age no sistema nervoso central e um relaxante muscular. Com isso vc perde a capacidade de respirar". Não quis interromper a conscienciosa exposição do médico, mas, de repente, me peguei a imaginar como seria capaz de prender a respiração por mais de uma hora, mesmo estando desacordado. Seria o novo recorde mundial !!!!

Ele então me disse que eu seria ENTUBADO. Obviamente o anestesista estava duvidando da minha masculinidade... Descubro, em seguida, que o tal do tubo, felizmente, seria colocado na boca e ligado a uma máquina que me faria respirar. Ufa! Contudo nos "esclarecimentos finais" ainda: "caso haja alguma dificuldade de entubar, pode haver danos aos dentes, talvez quebrar algum deles..." Francamente, o médico devia poupar os pacientes de alguns detalhes.

Pois bem, chego ao hosptital às 7:00 hs, para uma cirurgia marcada para as 11:00 hs. Não acontece nada até às 10:30, quando entra um enfermeira, mede a pressão e a temperatura, me dá um avental prá vestir e vai-se embora. Mais uns 10 minutos e vem o maqueiro, apressado, pede prá eu pular na maca e arranca em direção ao centro cirúrgico, falando que tem que correr pq está faltando maqueiro.

O centro cirúrgico me lembrou uma cozinha de restaurante. Gente entrando e saindo das salas de cirurgia, lavando as mãos (eles lavam os braços também) e um barulho de pratos e talheres, que na verdade eram os intrumentos.

O anestesista me pergunta mais uma vez se sou alérgico a alguma coisa e eu respondo a mesma coisa de sempre: "não que eu saiba". Aí começa aquela encenação básica: um médico fala comigo, me pergunta no que eu trabalho, enquanto outro espeta uma agulha na veia. Respondo: "Sou fiscal da Receita Federal. Sei que os médicos não gostam dos fiscais (nem fiscal gosta de fiscal), mas que não pensem em se vingar em mim hehe" E eles então começam a falar da declaração do Imposto de Renda, enquanto eu penso que, por mais profissionalismo que se espere de alguém, aquele realmente não era o momento ideal para prestar informações sobre o assunto.

Mais uns segundos sinto um pequeno formigamneto no ombro e apago. Acordo duas horas mais tarde. A única coisa diferente de acordar de um sono comum foi a pomada nos olhos e os três furos na barriga. Prontinho !!! Simples e rápido !!! Sobretudo depois que já passou. Como diz o velho ditado, "nada a temer, a não ser o próprio medo".

terça-feira, 17 de março de 2009

A geladeira de Godot

Minha mãe chegou à minha casa, para um apoio moral, espiritual e material em razão de uma cirurgia que farei amanhã. Obviamente, o estoque de comida em casa resumia-se a uns pacotes de balas e bolachas. Nada mais natural !!!!

Tente imaginar quantas vezes eu tive que ouvir: "você não come, por isso está magro assim" ???? Ora, francamente, meu IMC está em 20,5. A falta de peso só seria um problema de saúde se meu IMC estivesse abaixo de 17.

Contudo, estes argumentos objetivos não a convenceram... ela continua pensando que estou magro e eu não entendo o porquê disso: 63 kg me parece um peso bastante razoável. E, pior, sem nenhuma prova científica que apóie seu ponto de vista, crê que a suposta magreza é consequência do meu saudável hábito de fazer apenas uma refeição completa por dia.

Tudo, porém, tem seu lado positivo: hoje acordei com o primeiro café da manhã já visto (e comido) naquele apartamento desde que me mudei prá lá!!!!!

Notei que não conhecia parte da comida que estava sobre a mesa, permitindo-me concluir que fora contrabandeada na mala. Minha mãe, pessoa sagaz, teve a capacidade de antever o vazio gelado que habita aquela caixa branca em formato de um grande paralelepípedo a que chamamos refrigerador, usada habitulamente nas residências para conservar alimentos, mas que em minha casa carece de propósito funcional.

Subitamente compreendi: minha geladeira enfrenta uma crise existencial ! Não enxerga um propósito para o eterno ligar e desligar de seu compressor, para a circulação dos fluidos, as paredes grossas, as limpas prateleiras envidraçadas, o frezzer potente, os compartimentos elegantes e ergonômicos, a lâmpada oculta que se acende a cada abrir de portas e a tecnologia que lhe permite fazer frio sem fazer gelo.

Tudo pronto e tudo parado. Com a respiração suspensa -- tal qual milhares de pessoas num estádio lotado à espera da cobrança de um pênalti marcado aos 47 minutos do segundo tempo -- aguarda após o raiar de cada dia que algo indefinível e desconhecido finalmente aconteça.

Há, por vezes, aquele corpo humano que abre a porta e debruça-se à sua frente. Com orelhas maiores que os olhos, mira curioso o seu interior por sobre os aros dos óculos, como se olhasse para uma paisagem distante, uma pradaria sob geada ou uma montanha semi-envolta em neblina. Contudo, este parece nunca encontrar o que deseja. Fecha a porta sem outro gesto que lhe permita adivinhar o que veio fazer ali.

Mais uma noite e mais um dia. Quem sabe amanhã...

É preciso encontrar uma solução terapêutica para o problema da geladeira !!!!