sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Planejarás, pero no mucho


Depois de um tempinho de descanso, volto à internet para mais um passo do desenvolvimento de intenções do planejamento da viagem. Bem no fundo eu sei que é um tanto de bobagem, feito mais prá ocupar a cabeça e dar-me a sensação de que estou cuidando dos detalhes. O que eu deveria mesmo fazer é tratar de comprar logo os acessórios que ainda faltam e cuidar para que cada parafuso da bicicleta esteja no lugar, mas ficar na internet é muito mais fácil e pode ser feito fora do horário comercial.

Descobri um mapa rodoviário sobre o lado chileno que tem tudo o que espero de um mapa rodoviário. E um mapa turístico do lado argentino que não é tão bom, mas já serve.

E usando o Google Maps fiz um resumo das distâncias dos techos prováveis em cada dia:
1) Bariloche - Villa La Angostura: 84 km
2) Villa La Angostura - San Martín: 108 km
3) San Martín - Puerto Pirihueico: 54 km (deste ponto atravessa com ferry boat té Puerto Fuy)
4) Puerto Fuy - Panguipulli: 62 km
5) Panguipulli - Los Lagos: 56 km
6) Los Lagos - Futrono: 52 km
7) Futrono - Lago Ranco: 58 km
8) Lago Ranco - Entre Lagos: 72 km
9) Entre Lagos - Puerto Octay: 53 km
10) Puerto Octay - Puerto Varas: 98 km

E tem mais uns 20km até Puerto Montt, onde pegamos o avião de volta.
Total: uns 700 km
Assim fica super susse... mas...

Se usarmos dois dias para cada um dos trechos maiores (Villa La Angostura-San Martín e Puerto Octay-Puerto Varas), teremos 12 dias de pedalada. Contando que não vamos sair de Bariloche no dia 13/03, pq chegaremos lá no dia 12 à noite, ficaremos sem nenhum dia de folga o caminho todo...
Não gostei dessa idéia...

Temos algumas alternativas, como fazer de ônibus o trecho Panguipulli - Futrono ou Lago Ranco-Puerto Octay... Ou mesmo Panguipulli-Osorno, não pedalando à volta do Lago Ranco.
Ou pedalar de Panguipulli direto a Futrono num só dia ou fazer o trecho Puerto Octay-Puerto Varas pelo caminho mais curto (56 km em vez de 98 km).  
Ou pedalar mais em cada dia...
Ou parar imaginar coisas... Isso veremos lá. "Planejarás, pero no mucho", ordena o Nono Mandamento.

O próximo passo do infindável planejamento e busca de detalhes de utilidade duvidosa foi fazer a altimetria de cada trecho. Veja abaixo os gráficos (se tiver paciência rsrs).


Isso é muito bom quando se pedala. Imagine o conforto espiritual, após a enésima subida, poder dizer: "Pronto !!!! Daqui prá frente só descida !!"

Já havia me convencido, ao olhar o gráfico do trecho Puerto Fuy-Panguipulli, que não seria possível fazê-lo pedalando, teriamos que recorrer ao amigo ônibus, pois há duas subidas com 700 e 800 metros !!!!!
Prá cima de moá ???? Nem pensar... Já faz mais de duas décadas que não tenho mais 18 anos.

Por um desses impulsos inexplicados, fui dar uma olhadinha no trecho Chaitén a Coihaique, muito mais ao sul de onde viajaremos, um pedaço da famosa "Carretera Austral", e percebo que lá há desníveis de 1.600 metros !!! 
IMPRESSIONANTE, NÃO ????

Só tem um detalhe: essa informação não está correta ! Mamãe, claro, acha que sou o filho mais heróico do mundo, mas só ela acreditaria que alguém fora do Tour de France pode subir, num só dia, 1.600 metros sobre numa bike carregada. 
Prá vc ter uma idéia, o maior desnível entre Morretes e Curitiba, subindo pela Estrada da Graciosa, é de 900 metros.

Observo mais de perto. Vejo em vários trechos que a estrada desenhada pelo Google está passando por cima da montanha e não sobre a estrada real. No trecho Puerto Fuy-Panguipulli ocorre o mesmo.
Veja a foto: a estrada traçada pelo Google está em azul e sobe o morro. E a altimetria me diz que, logo ao sair de Puerto Fuy, teríamos de subir 500 metros em 3,5 km de extensão. Uma inclinação em torno de 16º, praticamente um campo de provas para carros de combate do exército. A estrada verdadeira, porém, está à esquerda, ao lado do rio, e parece não ser em grande subida, pois é retilínea.


Uma "sutil" diferença entre o real e o virtual.
Estou ficando velho mesmo, esqueci que sempre se deve checar a informação antes de acreditar nela. Quem te viu e quem te vê, Paulo.
Agora raciocine comigo, amigo ouvinte: se a altimetria está errada, as distâncias também não estariam ????
Ou ainda, será que todas as estradas traçadas existem ??? Uma amiga me conta que em outubro passado, numa viagem de Brasília à Bahia, passou três horas procurando uma estrada que só existia no Google... Aparentemente os gringos informatas acreditam que os projetos públicos são sempre executados no prazo e isso eventualmente pode não ser verdade em todos os lugares do mundo.

Pressinto que nunca mais lerei a Wikipedia com a mesma convicção. E se não posso confiar no Google e na Wikipedia, que certeza me restaria ?
Mesmo o axioma cartesiano "penso,logo existo!" parece-me incorreto, pois se penso, a única certeza que posso tirar daí é que meu pensamento existe. Quanto  à minha própria existência, a afirmação de sua certeza é um tanto precipitada. Ainda que foto minha retornasse de todos os mecanismos de busca, já não seria suficiente para me fazer acreditar. Ou melhor, não seria suficiente para fazer meu pensamento acreditar (!).

Nem tudo são espinhos, porém. A Argentina pode também não existir !!!! Imagine um mundo maravilhoso, um mundo sem argentinos !!! Pensou ???
O que chamamos de Argentina não passaria de um parque de diversões onde as pessoas vão passar férias. Os funcionários do parque criaram uma variante do português, um idioma meio esquisito que ainda assim entendemos, e inventaram uma história de que há lá baixinho que jogaria futebol melhor do que Pelé. Grandes máquinas de ar condicionado produzem o frio e gastam-se todos os anos toneladas de tinta para cabelo a fim de tornar louras todas a mulheres do parque.
O sucesso, contudo, fez-se em proporções inesperadas e tornou gigantesco o parque, trazendo invitáveis problemas que toda grande organização enfrenta. O controle sobre a qualidade do serviço enfraqueceu e com o tempo os funcionários deixaram de dar a devida atenção aos clientes. Por isso aqueles que chamamos de argentinos nos parecem tão pouco educados. Na realidade são apenas desidiosos empregados do parque de diversões aguardando o final do expediente de cada dia.

Na próxima vez que um argentino for mal educado com vc, encare-o fixamente e responda com convicção: "Vou reclamar com a gerência do parque !!!" e observe a reação dele.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Começar voando

Pronto !!! Marcamos as passagens aéreas !!!! \o/  \o/ 
Após um mês a tentar usar pontos do Programa Fidelidade da TAM e não conseguindo marcar os bilhetes porque não houve promessas de recompensa ou ameaças de castigo que fizessem a LAN autorizar o uso deles no trecho Buenos Aires-Bariloche, nos demos por vencidos e usamos para a compra a sólida instituição construída por gerações e gerações de antepassados, nossos e alheios: o bom, velho e gasto dinheiro.

As passagens foram marcadas por telefone e essa operação não foi das mais simples, pois iremos por um lado e retornaremos por outro, a Alice inicia o voo em Porto Alegre e eu em Curitiba, com direito a informações diferentes nos sites da LAN e da TAM, coisas que em seu conjunto atrapalharam um tanto a nós e outro tanto à atendente de telemarketing.



Nesse processo internético-telefônico, por si só bastante notável pois junta duas palavras proparoxítonas, descobrimos o misterioso, enigmático, incógnito  voo LAN 8096, que talvez detenha esta característica por estar envolto nas frequentes névoas de Guarulhos e Curitiba, seus aeroportos de origem e destino. Este voo, com prefixo da LAN mas operado pela TAM, tem a peculiaridade de não poder ser vendido pela própria TAM -- a operadora, lembra-se? --, embora essa mesma TAM possa vender sem problemas o voo entre Puerto Montt e Santiago, que é operado, gerenciado, atendido, checkinizado, escrito, dirigido e estrelado pela própria LAN, sem que a TAM dele participe com um único sorriso de aeromoça.
Captou ???
Nem eu...

Mas quem sou eu prá desvendar estes mecanismos que beiram o ocultismo?
Que seriam das viagens sem estes pequenos acontecimentos folclóricos?
Que histórias teríamos nós para contar aos netos?

O que interessa é que o bilhete tá na mão !!! \o/

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O destino e o caminho

Reza o Terceiro Mandamento: "Seu caminho importa mais que seu destino"
Em verdade vos digo, é o destino quem conduzirá o seu caminho.

E como se escolhe um destino ??? Por vários modos e atendendo a diversas variáveis, mas vamos resumi-las:
1) tempo disponível
2) dinheiro disponível
3) simpatias pessoais
4) experiência e forma física disponíveis

Comigo funciona assim: ouvi dizer que alguém falou que algum lugar é bom e então começo a correr atrás de mais informação, olho uma fotos e vejo uns mapas e decido se é possível ou não.




O primeiro trecho, Bariloche-San Martin de Los Andes é a famosa "Ruta de Los Siete Lagos". É um roteiro clássico (prá não dizer manjado), mas há que se lembrar que estou fora da estrada há 15 anos e a Alice, minha parceira de viagem, nunca fez uma viagem de bicicleta. Um pouco de prudência e canja de galinha não faz mal à ninguém. O restante do roteiro, porém, é mais original...

Cabe também considerar que em 1996 pedalei entre Bariloche e Punta Arenas pela "ciclovia" Carreteira Austral, no tempo em que a estrada ainda não fora terminada, a internet mal existia, o Google sequer havia sido fundado e o Hotmail ainda não havia sido comprado pela Microsoft. Vocês conseguem imaginar isso ???
Pois então, naquele tempo havia um mundo rodando em torno do Sol (disso nós já sabíamos!) e as bicicletas eram um invento bastante difundido na sociedade, contudo era necessário adivinhar o caminho e as condições das estradas, pois, em termos práticos, os melhores mapas disponíveis do exterior resumiam-se ao atlas da Enciclopédia Barsa !!!!! Eu já ia cometer a gafe de dizer que a Barsa tinha acabado, mas vejo que não acabou, ainda é vendida em formato multimídia. Uau !!! Não consigo entender como enciclopédias e a revista Playboy ainda sobrevivem...
O "defeitinho" daquele atlas é que ele só trazia mapas detalhados da América do Norte e da Europa... Enfim, adivinhava-se o caminho com o que se tinha e nem era justo reclamar pois minha situação era francamente melhor do que a de Cristóvão Colombo.

Chegando lá pude comprar um guia contendo mapas muito mais detalhados, guia este editado pela companhia telefônica do Chile... Não ouse perguntar, ora pois, por que uma companhia telefônica adentrar-se-ia por essa aventura editorial. Quando vi aquela brochura recheada com tudo o que precisava, trazendo todas as estradas, relevo, rios, cidades, povoados numa escala enorme, a última coisa que me ocorreu foi perguntar o porquê.

Voltando ao assunto inicial, acabamos por escolher um roteiro mais ou menos light (espero de todo o coração que seja mesmo), não é uma planície, mas o terreno não é tão acidentado que chegue a assustar, tem boa estrutura de apoio nas cidades, é meio conhecido pois pedalei em parte do caminho e fica numa região de beleza notável. Serão uns 700 km de percurso, dá até tempo de tirar dois ou três dias de descanso, se necessário. Se a chuva não atrapalhar muito, será muito bom.
Este roteiro também é compatível com o tempo que dispomos -- duas semanas -- pois não somos nem estudantes nem aposentados. Ainda não... mas logo chego lá. Prometo que serei um velhinho power, capaz de pedalar 100 km por dia. E estacionarei nas vagas para idosos dando cavalinho de pau hehe.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A idéia de pedalar

Num belo domingo alguém acorda de bem com a vida, depois das 14:00 hs...
Convenhamos, não há como acordar de mau humor quando se desperta após o meio-dia. Há anos defendo a aprovação de uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU proibindo qualquer atividade humana antes das 10:00 hs. da manhã. Em dias úteis, naturalmente... pois nos finais de semana seria proibido acordar enquanto houvesse luz do dia.
Ouvi dizer que querem colocar na Constituição Federal o direito à busca da felicidade, como se ela estivesse perdida, escondida ou sequestrada e mantida em cativeiro. Pura balela. Deveriam aprovar uma emenda constitucional prevendo o direito de acordar tarde, seria infinitamente melhor.
Escrevam o que eu digo: os índices de homicídios e divórcios cairão vertiginosamente quando todos puderem acordar tarde !!!

Vamos começar novamente este parágrafo...
Num belo domingo alguém acorda após as 14:00 hs. de bem com a vida, a tempo de tomar um banho de 40 minutos que outrora chamar-se-ia muito higiênico e hoje é acossado por anti-ecológico e de ligar para um disk pizza de um telefone fixo pois seu desconhecimento técnico o leva a imaginar que seja isto mais sustentável do que uma ligação de aparelho móvel e assim compensaria a ducha tão demorada antes de se instalar confortavelmente defronte à TV para aguardar o início da partida de futebol que desde a alteração do fuso para o horário de verão só ocorre às 17:00 hs.

Quase sem querer olha pela janela e percebe aquela chuvinha continuada começada na sexta-feira e que não dá ares e nem suspiros quanto mais esperanças de terminar antes da próxima década. Lá embaixo (habita ele o 9º andar...) passa um rapaz montado numa bicicleta "customizada" com aros de dimensões diferentes e outras adaptações que terminam por compor um conjunto que juraria um cidadão comum ser obra de Joãosinho Trinta retirando versos da alma lírica preenchedora de cada alvéolo pulmonar numa voz surpreendentemente afinada para quem se dispõe a cantar música sertaneja em público: "Não aprendi dizer adeus, mas deixo vc ir sem lágrimas no olhar, se o adeus me machucar, o inverno vai passar, e apaga a cicatriz".

O rapaz do 9º andar ao qual negamos um nome porque nome não se dá a uma personagem cuja história termina em três parágrafos rumina entredentes e assim o faz pq mesmo os bovinos mais experientes não sabem outra forma de ruminar senão entredentes: "Pedalar libera endorfina... Só assim prá esse cara estar tão feliz pedalando na rua tão cedo".

De repente e antes que pudesse soletrar a palavra "Schwarzenegger" de trás para frente, como o vento que entra assoviando pela fresta da fechadura, fenômeno que jamais presenciei mas se está escrito é porque existe, ele está atravessado pela idéia de sair por aí a pedalar distâncias infinitas até o fim do mundo entre intemperies atrozes tão distantes de seu confortável casulo e que só tem por lembrança em razão dos desastres naturais continuamente noticiados pela mídia em seus múltiplos meios. Sente-se capaz de atravessar oceanos inteiros sem escalas, conexões ou barrinhas de cereais se acaso inventassem uma bicicleta que tenha por qualidade a flutuabilidade positiva. Olha as próprias pernas e avalia mentalmente a força delas. Tantas anilhas no leg press devem servir a algum propósito...
No segundo seguinte está a pensar: "Qual será a distância máxima do delivery do disk pizza ???????"

Não sei como nasce em alguém a idéia de viajar de bicicleta. Alias, não sei como nasce em alguém qualquer que seja idéia. Aprendi que do nada, nada sai, mas as idéias parecem seguir outra lógica.

No meu caso a origem da idéia está na infância. Freud postula serem todos os nossos impulsos originados na infância, mas não é dessa origem inconsciente que falo e sim de algo bem mais evidente.

Minha mãe cotidianamente mandava o meu irmão mais jovem e a mim prá lá da PQP prá buscar ou levar alguma coisa na casa de alguma tia ou amiga. Acredite-me: qualquer um que, com 10 ou 12 anos, é capaz levar uma Monareta, aros 20 que só tiveram os raios apertados uma vez na fábrica e nunca mais, sem marchas e com "eficientíssimos" freios contrapedal, pedalando até a casa da Tia Zenaide que ficava praticamente em outro município, sente-se capaz de viajar até a Lua numa bike melhorzinha.

Comigo foi essa a origem.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Dez Mandamentos de um Cicloturista Eventual


Ano Novo, Vida Nova e eu, particularmente, estou tentando retomar velhos hábitos. Um deles é escrever no meu abandonado blog.


Outro velho hábito é andar de bicicleta. Em 2010 retomei um pouco este saudável e saudoso hábito e para este ano uma viagem de bicicleta está programada. Programada não é bem a palavra. Por enquanto ela está mais prá imaginada.
O detalhe é que minha última viagem de bicicleta foi em 1996. Lá se vão 15 anos, mas acho que ainda dou conta do recado. Isso veremos em breve, pq a viagem será em março.

E a primeira etapa da preparação para venturosa viagem o que foi ??
O óbvio !!! O que fazemos todos antes de fazer qquer coisa: passar horas e horas na internet buscando aquela informação preciosa, aquele detalhe imprescindível, aquela dica fantástica, aquela foto decisiva, aquela opinião luminosa, aquele roteiro de procedimentos testado e aprovado por milhões de pessoas em todas as raças, línguas e credos around the world. E temos certeza isso tudo se esconde em algum canto da internet. Se ainda não achou, continue... Um dia virá !!!

Após alguns dias nessa frenética atividade me convenci de que os sites oficiais e profissionalizados são escritos por pessoas que nunca tiveram experiência e os blogs pessoais transmitem uma experiência pessoal demais e não me dizem o que eu quero saber.
Porém, algo se aproveita, é claro.

Um detalhe me chamou a atenção, vi vários decálogos: Os Dez Mandamentos do Ciclismo, Os Dez Mandamentos do Ecoturismo, Os Dez Mandamentos da Aventura Segura, Os Dez Mandamentos do Mochilão, Os Dez Mandamentos do Turista Responsável, Os Dez Mandamentos do Viajante, etc etc etc

Ora pois, se isso é assim tão bom farei o meu próprio decálogo.

OS DEZ MANDAMENTOS DE UM CICLOTURISTA EVENTUAL

1º Mandamento: "Amarás tua viagem mais do qualquer outro"
A viagem é com vc mesmo, terceirize o menor número de atividades que puder. Viajar de bicicleta pode levá-lo muito longe, basta ter duas rodas, duas pernas e uma estrada "pedalável". E é uma grande oportunidade para abandonar o seguro, confortável, regrado e organizado (e, vamos admitir, meio chatinho) ecoturismo de agência.
Decidido o básico, tudo o mais são detalhes que vc pode resolver por si mesmo. Se vc não puder resolve-los... bem... talvez seja melhor optar por viagens menores, por lugares mais habitados e civilizados, enquanto acumula experiência para pedaladas maiores.
Ou... vá com um pacote de agência, não chega a ser um pecado. Mas... NÃO OUSE CHAMAR ISSO DE CICLOTURISMO rsrs.

2º Mandamento: "No amor, na guerra e em viagens de bicicleta é muito importante saber onde se pisa"
Google Maps, Wikipedia, GPS Visualizer e Weather.com são seus maiores amigos na internet e darão a vc mais informações úteis do que todos os sites e blogs de viagem somados, multiplicados ou mesmo potencializados.
O terreno, o clima, o tipo de estrada, os pontos de interesse e a presença humana na área definem as possibilidades e dificuldades da viagem.
E quase tudo o que vc precisa saber sobre isso está nestes quatro sites.


3º Mandamento: "Seu caminho importa mais que seu destino"
Em grande parte do tempo em viagem vc estará na estrada e pedalando, com tempo suficiente para observar e sentir o meio ao seu redor. Bonita ou feia, seca, úmida ou chuvosa, fria ou quente, deserta ou movimentada, boa ou ruim, a estrada será seu habitat de cada dia.
Boas estradas para pedalar são quase uma garantia de boa viagem. Más estradas uma certeza de momentos ruins. Provavelmente os dois tipos estarão presentes na sua viagem.
Serão elas os grandes sujeitos da viagem, não os viajantes. Lamento !

4º Mandamento: "Sua companhia importa mais que seu caminho"
Em nenhum outro estilo de viagem melhor se aplica o sábio ditado: "Antes só do que mal acompanhado".
Se viajas sozinho, seja uma boa companhia prá si mesmo.
Se não viajas sozinho, seja uma boa companhia para todos. Escolha bem seus companheiros, viaje com pessoas que tenham um ritmo de pedal parecido com o seu. E que tenham outras afinidades, pq além de pedalar, também será necessário conversar.
Uma viagem de bicicleta traz alguns perrengues e os viajantes podem resolvê-los, superá-los ou conviver com eles. Os bons momentos passam, os maus momentos se acumulam. Faça com que essa frase seja uma mentira. Não é muito fácil, mas vocês conseguem, meninos rsrs

5º Mandamento: "Será sua bicicleta um prolongamento de seus membros"
Conheça sua bike, adapte-se à ela, faça testes, conheça seus limites e mecanismos, troque umas peças, aprenda mecânica. Descubra se alguma parte do corpo (ou todo ele) dói após algumas horas de pedalada. Se doer, algo na bicicleta ou no seu corpo deve se adaptar. E se é prá passar dor, melhor que seja na academia do que na estrada.
Nem sempre haverá uma oficina ou massagista na próxima esquina ou aparecerá uma carona cinco minutos após ter uma roda entortada. Lembra-se do 1º Mandamento ? Pois então, a viagem é contigo mesmo...

6º Mandamento: "Usarás capacete"
Ou não ! As estatíticas demonstram que acidentes graves só acontecem com os outros rsrs
Mesmo que não goste de usar capacete (assim como eu) cuide um pouco da segurança, sobretudo quando trafegar por rodovias movimentadas. Pesquisas comprovam que cães negros são atropelados com maior frequência do que árvores de Natal !!!
Roupas claras e coloridas, fitas refletivas e lanternas ajudarão a torná-lo a atração do acostamento e voltar prá casa com todos os seus 206 ossos.

Mas atenção: se viajar para o exterior, NÃO USE CAMISETA DA SELEÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Fala sério, isso é muito brega !!!


7º Mandamento: "Economizarás peso"
Faça disso um desafio, uma questão de honra pessoal, um desígnio divino a ser cumprido. Todo cicloturista deveria ter por objetivo viajar um ano inteiro carregando apenas uma bolsa abaixo do selin e um garrafinha d'água de meio litro.
Se isso ainda não é possível, tente viajar com menos de 15 kg que bagagem, tendo 10 kg como desafio. Vai me agradecer pelo conselho na primeira subida em que for necessário descer e empurrar.

8º Mandamento: "Transportarás sua bike inteira"
A melhor maneira de transportar as bicicletas depende da opinião de cada um. E do humor dos funcionários do aeroporto...
Essa questão é objeto de acaloradas discussões que atravessam anos e décadas sem que se possa vislumbrar ao menos um leve esboço de consenso.
Em 1996, na única vez que levei uma bicicleta em avião, ela foi desmontada e acondicionada numa bolsa de nylon e voltou completamente montada e sem nenhuma proteção.
Na ida a rodas foram entortadas e na volta ela voltou inteirinha, sem nenhum problema ou arranhão, saí pedalando do aeroporto.
Apoiado nesta "vasta experiência cientificamente comprovada e fartamente documentada", adotei como preconceito fundamentalista a crença de que transportar bicicletas desmontadas em aviões estraga-as !!!
A maioria das companhias aéreas aceita transportar as bicicletas montadas (a TAM, por exemplo, exige apenas que o guidão esteja alinhado com o quadro e que os pedais sejam retirados). Certifique-se no site e leve uma cópia impressa para o aeroporto, pois nunca se sabe se os funcionários aérea leem o site da própria empresa...

9º Mandamento: "Planejarás, pero no mucho"
Lembre-se: é impossível prever o imprevisível !!! E os problemas surgem sempre de onde não se espera. A Lei de Murphy já dizia que não chove quando se leva guarda-chuva.
Economize horas na internet e compra de acessórios e mais acessórios. Confie na sua capacidade de adaptação, no limite do razoável. O "jeitinho brasileiro" é a nossa grande contribuição para a Humanidade e ainda economiza peso!!!

E se tudo der errado e a viagem tornar-se impossível, mantenha a coluna ereta e a alma tranquila, xingue muito, beba duas doses da bebida alcoólica mais forte que encontrar, depois tome um ônibus, trem, avião, barco, uma carona de jegue e volte prá casa.
Ou venda a bicicleta e continue a viagem...
E tente de novo no ano que vem.

10º Mandamento: "Aproveite!"
Finalmente vc pode largar a internet e cair na estrada. Uma viagem de bicicleta não deve ser tomada como um desafio, mas apenas como uma viagem que tem sua peculiaridades.
Uma viagem de bicicleta não é tão sexy quanto um bando de barrigudos passeando com suas motos BMW e não rende filmes como "Easy Rider". É apenas uma viagem... mais simples e mais prazerosa do que parece à primeira vista.