terça-feira, 17 de março de 2009

A geladeira de Godot

Minha mãe chegou à minha casa, para um apoio moral, espiritual e material em razão de uma cirurgia que farei amanhã. Obviamente, o estoque de comida em casa resumia-se a uns pacotes de balas e bolachas. Nada mais natural !!!!

Tente imaginar quantas vezes eu tive que ouvir: "você não come, por isso está magro assim" ???? Ora, francamente, meu IMC está em 20,5. A falta de peso só seria um problema de saúde se meu IMC estivesse abaixo de 17.

Contudo, estes argumentos objetivos não a convenceram... ela continua pensando que estou magro e eu não entendo o porquê disso: 63 kg me parece um peso bastante razoável. E, pior, sem nenhuma prova científica que apóie seu ponto de vista, crê que a suposta magreza é consequência do meu saudável hábito de fazer apenas uma refeição completa por dia.

Tudo, porém, tem seu lado positivo: hoje acordei com o primeiro café da manhã já visto (e comido) naquele apartamento desde que me mudei prá lá!!!!!

Notei que não conhecia parte da comida que estava sobre a mesa, permitindo-me concluir que fora contrabandeada na mala. Minha mãe, pessoa sagaz, teve a capacidade de antever o vazio gelado que habita aquela caixa branca em formato de um grande paralelepípedo a que chamamos refrigerador, usada habitulamente nas residências para conservar alimentos, mas que em minha casa carece de propósito funcional.

Subitamente compreendi: minha geladeira enfrenta uma crise existencial ! Não enxerga um propósito para o eterno ligar e desligar de seu compressor, para a circulação dos fluidos, as paredes grossas, as limpas prateleiras envidraçadas, o frezzer potente, os compartimentos elegantes e ergonômicos, a lâmpada oculta que se acende a cada abrir de portas e a tecnologia que lhe permite fazer frio sem fazer gelo.

Tudo pronto e tudo parado. Com a respiração suspensa -- tal qual milhares de pessoas num estádio lotado à espera da cobrança de um pênalti marcado aos 47 minutos do segundo tempo -- aguarda após o raiar de cada dia que algo indefinível e desconhecido finalmente aconteça.

Há, por vezes, aquele corpo humano que abre a porta e debruça-se à sua frente. Com orelhas maiores que os olhos, mira curioso o seu interior por sobre os aros dos óculos, como se olhasse para uma paisagem distante, uma pradaria sob geada ou uma montanha semi-envolta em neblina. Contudo, este parece nunca encontrar o que deseja. Fecha a porta sem outro gesto que lhe permita adivinhar o que veio fazer ali.

Mais uma noite e mais um dia. Quem sabe amanhã...

É preciso encontrar uma solução terapêutica para o problema da geladeira !!!!

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